sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Ela me comeu


Sua figura de bestialidade mítica feminina. Os pelos que brotavam da carne vulvária se abriam como as plantas buscando o sol, como um prado curvado às hélices metálicas de um helicóptero. Suas bocas, todas, arfavam em respiração ofegante.

Uma vez deixei a chave do lado de dentro. Estilhacei uma báscula e entrei pela janela. Nas chuvas da minha promessa adiada de recolocar o vidro, muitas vezes, como um hálito sujo, o vento puxava as cortinas pra fora, sugava as cortinas pra fora.

Assim também o fez ela.

Seus peitos grandes e listrados como uma zebra se assentavam quando ela deitava. Duas bolhas flácidas, adiposas. Os mamilos se contradiziam ao dar as direções.

Seu corpo tombado era de mérito turístico. No interior das coxas, duas manchas pretas de queimaduras. Seu sabor se assemelhava muito ao de muitas outras.

Mas diferente de tantas plantas que florescem a beira-estrada, ela me tomou. Ela me subjugou. Ela me comeu. Seus músculos vaginais moeram as aldravas duma passividade atribuída, moeram a minha pica, reduziram a pó e cinza minha fé de raízes rasas.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Omitir é mentir?


Eu não sei qual é a definição de mentira que você usa. A minha, cá entre nós, é bem abrangente. Por exemplo, você conhece a história de Tristão e Isolda? Grosso modo, Tristão comeu Isolda, que ia se casar com o rei que ele servia. No final das contas, quando ela teve que fazer um juramento pra Deus e pro rei de que era virgem (o que, parece, as pessoas da Idade Média levavam muito a sério), ela armou um embuste lá, em que tinha uma porra de uma poça na frente de onde ela tinha que jurar pro rei. O Tristão, que tava fantasiado de mendigo ou coisa parecida, “teve” que pegar a Isolda no colo, deixou ela sentada nos ombros dele (cena, aliás, muito esquisita e muito improvável) pra ela fazer o juramento. Aí ela disse alguma coisa do tipo “Juro que ninguém nunca esteve entre as minhas pernas além de Vossa Majestade e este mendigo aqui”.

Mas esse juramento não escapa de uma contradição. Se você acha mesmo que você tem que dizer a verdade ou Deus (ou outra coisa) vai te castigar, como é que você justifica todo esse esforço justamente no sentido contrário, o de enganar? Quer dizer que você acha mesmo que se trata da maneira como você articula as palavras?, da maneira como você dá à voz os fatos? Quer dizer que você acredita que a diferença consciente entre as suas palavras e a realidade percebida que ela descreve é capaz de acionar um mecanismo metafísico que vai sacudir a conjuntura e a estrutura do Universo numa sucessão de acontecimentos que vai terminar por comer o seu cu, mas que com um simples joguinho semântico você pode, tãrã!, se evadir da sua responsabilidade? Você tem que ser muito imbecil.

Você é condenado à liberdade, pessoinha. Você escolhe fazer, você escolhe deixar de fazer, mas você não pode deixar de escolher. E toda escolha tem suas implicações, ay, there's the rub!

As pessoas deveriam avaliar as suas ações de um ponto de vista mais pragmático e com consequências políticas sérias. Se a sua intenção é x, é assim que você tem que tratar dela. Não é ficar inventando joguinhos, não. Do mais, há o lugar-comum de que os seres pensantes pensarão. Será?