“I know, no one’s going
to show me everything – we all come and go unknown.”
JONI MITCHELL
O álcool nos livra, geralmente, de certas inibições e nos
faz dar vazão a certas espontaneidades. As minhas, particularmente, tendem à
inércia e ao resguardo. Costumo ir me afastando do centro dos acontecimentos e
me retirar pra periferia das eventualidades. Sujeito-me à sorte, fumo o meu
cigarrinho, bebo a minha cerveja; minha liturgia noturna é tomar a minha
mamadeira e esperar pra ser o guardanapo que se come quando o bolo acaba. Você
que lê isto, pode me achar estúpido...
O quê? Está esperando que eu me justifique? Você, que lê
isto, pode me achar estúpido. Sinta-se à vontade.
Nada mais verdade na minha vida que é a mesma shakespeariana "que se
arrasta nesta passada mesquinha dia após dia”, só que sem conversar com
caveiras sobre temas ontológicos. Que seja, há ainda um pouco do meu som e da
minha fúria a se narrar neste post.
Se me perguntarem se estava atento, se tomei nota dos
acontecimentos à minha volta, direi que não. Eventualmente, direi que sim e
estarei mentindo. Uneventful,
numa hora destas, é uma boa palavra que falta na língua portuguesa. Lá pras
duas horas, já havia passado por vários rostos conhecidos, várias latinhas,
vários cigarros e nada, nada, nada era digno de registro. Nada, oras, porque eu
não fazia ideia de que um certo metro e oitenta de carne ainda me faria fremir
delirantemente num motelzinho barato do Rinque. Já mais pra lá que pra cá,
rodando pelo campus da UFF – eu mencionei o fato de que
estava numa chopada no Gragoatá? Tanto faz... – à procura de uma trepada, mirei
um mancebo no meio de uma galera bonita. Estavam fumando maconha. Ele era alto,
de cabelo cortado a máquina, com cara de mal. Tenho experiência com o tipo.
“Posso dar um dois com vocês?”, perguntei. Não,
vocês não fazem ideia de como imponho resistência ao uso dessas gírias
horrendas, mas foi por motivo de força maior.
Sem esboçar um sorriso que fosse (faz parte, creio, do
protocolo de macho), o rapaz, precisamente o que eu avistara e que havia
despertado o meu interesse, me passou o cigarro. Fez com a cabeça algo que
interpretei como “não precisa se preocupar”, “quê isso”, ou outra coisa que
pode ter passado batida.
Um jovem intelectual, delicado, como eu... Fui invadido por
um receio desconcertante. Já tinha estado lá antes, digo, com rapazes grandes e
ameaçadores como aqueles, a situação não me era estranha em absoluto. Mas com
todas as minhas digressões e floreios, não chegaremos lá nunca.
Dava umas olhadas nele. Aquela barba cerradinha, aquele
jeito de quem ia me bater se eu lhe fizesse uma proposta invasiva, tudo era
atraente. Terrível e atraente. Quis afastá-lo do grupo e me ocorreu, após uma
atendida mais circunspecta aos trejeitos do homem, que ele era achegado a
certos hábitos que eu abandonara havia cerca de um ano. Ele usava cocaína e isso
estava escrito claramente na testa dele. Estava sob o efeito da droga naquele
mesmo instante e isso era um detalhe que eu, justamente
eu, não deixaria passar.
“E aí, onde eu arranjo pó por aqui?”, perguntei a
ele. Pela cara que ele fez, deu pra ver que eu tinha acertado em cheio no alvo.
Ele se mexeu logo, saiu de perto dos amigos, me olhou de cima a baixo e pensou
em tirar vantagem de mim. E digo isso com certeza absoluta. Fazia parte do meu
plano. Ele viu que eu tinha dinheiro, que estava a fim de comprar pó e ele ia
ficar com as rebarbas das minhas trilhas. Maquiavélico que sou.
Ele fez uma ligação, disse que o “mané”, fosse lá quem
fosse esse tal mané, estava lá perto. Virou as costas e caminhou pra saída do campus, de uma maneira fortuita
que me pareceu que ia sair sem mim. Mas não nesta vida! Fui atrás dele,
naturalmente, e pulando toda a questão da logística de se conseguir cocaína na
Cantareira, o que sem dúvida renderia um texto prolífero (e prolixo, como tudo
que eu escrevo), com a mercadoria em mãos, ele se despediu. Disse que estava
cansado e tinha que fazer sabe-se lá o que de manhã.
“Mas não vai querer dar um teco?”, perguntei. Era o
ponto fraco dele.
Olhando de mais perto, o rapaz com a maior cara de hétero
era bem tímido. Ele inclusive se recusou a cheirar lá onde estávamos, para a
minha satisfação. Ele queria a cocaína. Fomos caminhando para a orla do
Gragoatá, de frente pro Convés. Estando finalmente sozinhos, fui incisivo: a
sua apropriação e uso da “mercadoria” estava impreterivelmente acondicionada à
sua aceitação de um singelo boquete. Sim, de novo, sou nojento, sou reles etc.
etc. etc.
Sua reação não poderia ser mais broxante – Não sou viado,
não, porra! – e se afastou, caminhando pela praia. Era alta madrugada; a noite
estava quente e não me lembro se havia estrelas. Lembro que dava pra distinguir
uma luazinha no céu. Mas havia outra luz além da lua. Ele se afastou pra
direção oposta à rua. Ora, ele ficou lá, olhando para o mar, mas não foi
embora. Isso só se me mostra interessante agora, olhando em retrospecto, e me
arranca uma risadinha de vanglória. Ele ficou lá.
[continua]
Seja bem vindo pela segunda vez, amigo... Já tinha lido (e antes ouvido) essa história. Já te expliquei o lance da feijoada, né? Pesada, mas deliciosa (só mesmo um gordo para fazer analogia com comida... hahaha).
ResponderEliminarEnfim, que venham os próximos... Vou tentar me fazer presente, principalmente nos comentários, coisa que esse povo que só visita não faz... hahahah. Eles deveriam saber que os COMENTÁRIOS SÃO LEGAIS... rsrs
Um beijo, amigo... até
gostei!
ResponderEliminarcontinue, continue!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarComo será que irá terminar essa mistureba de substancias?
ResponderEliminarTo curioso
eu costumo dizer que a bebida é meu divã, é quando consigo relaxar realmente de todas as preocupações e me deixar ser um pouco eu mesmo.
ResponderEliminarBora Continuar?
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