segunda-feira, 21 de maio de 2012

Aquela história... (parte 2)



“But the expression of a well-made man appears not only in his face,
It is in his limbs and joints also, it is curiously in the joints of his hips and wrists,
It is in his walk, the carriage of his neck, the flex of his waist and knees, dress does not hide him,
The strong sweet quality he has strikes through the cotton and broadcloth,
To see him pass conveys as much as the best poem, perhaps more,
You linger to see his back, and the back of his neck and shoulder-side.”

WALT WHITMAN, ‘I Sing the Body Electric

              Primeiro de tudo, prometo que no próximo post a gente vai ter uma epígrafe em português. É que não imaginei algo que descrevesse melhor o meu êxtase, o meu transe no concernente ao já familiar rapaz do começo desta história do que este excerto do poeta americano, meu querido Walt. Eu estava tantalizado pelo corpo do homem. Eu me demorava olhando pra ele. Permitia-me fazer cara de idiota – pois, sim, quando um homem está perplexo, o certo, aconselha E. A. Poe, é que fique carrancudo. Do contrário, pode estar certo de que estará fazendo cara de idiota.
            O homem ficou lá, olhando pro mar, naquela orla sombria. E não convém chamá-lo mais rapaz. Acontece que o rapaz tinha trinta anos, fiquei sabendo depois.
Eu disse na semana passada que não me dei conta, pelo menos não no momento, de que ele estava inclinado, sim, a ceder. Pelo menos era o que eu tinha instrumento pra descobrir na hora. Em outras palavras, eu mandei a real pra ele e ele nem me porrou, nem foi embora. Mais tarde, é claro, ficou perceptível que “ceder” não era bem a palavra e que, no final, o gostosão tinha até tesão em mim.
            Dito isso, ele se aproximou de mim. “Você tá com o pó aí, ainda?” Ele parecia muito alterado. Estava completamente fora de si. Olhava pra um lado e pro outro com uma frequência agoniante. De tempo em tempo, ele apontava pra silhueta de alguma folha ou galho e perguntava se não era uma pessoa espiando. Não que isso fosse culpa só do pó. Houve um momento (e eu nem havia cheirado nada, ainda) em que confundi um monte de tijolos atrás de um barco, debaixo de uma amendoeira, com um casal se pegando. Mesmo assim, o carinha estava um lixo de paranoico. A minha resposta à sua pergunta foi sim, eu tinha pó, ainda, e ele se aproximou ainda mais. Fomos para debaixo de outra árvore, onde havia um toquinho serrado onde eu podia sentar. Pedi pra ele abrir as calças. Ele estava muito relutante, um saco... Eu começava a me arrepender dos cinquenta reais que já tinha gastado com a mercadoria. Aquilo era como o queijo da ratoeira: não se come, se bota veneno. Em outras palavras, ele não aceitasse a minha proposta, eu, quando muito, daria aquilo pra um amigo; isso se não jogasse tudo fora.
            Ele se afastou de novo. Eu estava cansado e a última coisa que eu precisava era ser tolhido pela glicose anal de um estranho. Fiquei puto, levantei e caminhei na direção da rua, tentando não olhar pra trás. Aí das duas uma: ou ele cagou pra mim, ou fingiu que cagou, porque não saiu de onde estava. Me deixou ir, o infeliz. Não sou a pessoa mais pretenciosa do mundo, mas essa era a última coisa que eu esperava. Sua inação me pegou de surpresa. O que eu ia fazer, então? Fazia parte do meu projeto que ele me detivesse. Fiz algo, nesse caso, que eu odeio fazer. Parei, dei meia volta e fui na direção dele. “Você tem certeza?
            Digo isso não sem um mínimo de constrangimento, embora todo mundo pague pau de vez em quando, hipocrisias à parte. Fora que ele era uma excelente peça.
            O importante é que sua postura mudou. De repente ele parecia mais disposto a fazer umas brincadeirinhas. E eu comia com os olhos aquela composição espetacular de músculos, tendões e cabelos. O jeito que o aspecto do pescoço mudava quando ele olhava pro lado, as juntas dos braços com os antebraços, cada fissura, saliência... Aquela sombra reminiscente duma barba aparentemente bem cheia, sem falhas. Ele era, sem dúvida, um homem bem-constituído e de porte. Eu, a essa altura, estava sentado no banquinho de toco e estávamos próximos o suficiente pra que eu começasse as carícias, as carícias mais íntimas possíveis. Por isso eu acho curioso quando o Whitman diz que a alma é o corpo. A profundidade que um toque pode alcançar no âmago do seu ser é indizível. Com que propriedade negar que, enquanto eu tocava seu corpo, não tocava também a sua alma?
            O calor do momento, entretanto, obstava tais devaneios. Ele tirou a camisa enquanto eu o felava. A diversão, contudo, durou pouco. Qualquer mariposa passando debaixo de poste era suficiente para assustá-lo, para tirá-lo do lugar e fazê-lo esgueirar-se pra ir dar uma olhada.
             Cansei e nos despedimos. Ele se vestiu e fomos caminhando para a rua, onde ele pegaria um caminho e eu outro. Dei-lhe toda a cocaína que estava comigo. Aquilo, afinal, não me interessava.
            A noite já começava a dar sinais de que estava chegando ao fim. Um homem de short e tênis parecia estar saindo pra caminhar e nós na balbúrdia, pro dia nascer feliz. O meu gostosinho me convidou pra ir à casa dele. Vocês deveriam é estar lá pra ver a cara de nojo que eu comecei a fazer, mas, para fins pragmáticos, conveio que dissesse apenas não. Eu mal o conhecia. Foi quando ele disse que ele poderia ir na mesma direção que eu. Pra lá também tinha ônibus, ele dizia.
            A verdade é que (termino de contar isso no outro post) a gente terminou a noite num motel no Rinque. Foi uma maravilha.

[continua]

7 comentários:

  1. Ah! Me lembro dessa história, cara! Você o viu recentemente?

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  2. Você consegue prender atenção do leitor e quando ele está mais curioso você corta a história :~
    Gostei do Blog.

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  3. aí está o segredo do menino Isisaccioly ... ele é "phoda" na arte das palavras ...

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  4. sacanagem a gente ficar cheio de tesão e vc não continuar.... ate imaginei o cara. que delicia.

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  5. Cara, o que eu acho mais engraçado é o seu vocabulário:[...]" a última coisa que eu precisava era ser tolhido pela glicose anal de um estranho." Eu ri muito nessa parte. Mas bem, ainda admiro sua coragem diante dessa história, e seu faro também. Jamais perceberia, nem mesmo seria levado tão longe pelo desejo assim. Pelo que descreveu, o cara vale isso tudo só pelo corpo... hahahahahaha

    Vamos para o próximo, né? rs

    Um beijo, amigo...

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    1. Pode vir o Jean Genet comentar nesse blog, mas você sempre será o meu leitor preferido!

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    2. Cara, vou chamar um psicografador só para comparar o quanto eu realmente significo em relação ao Jean Genet... hauahauaha

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