quarta-feira, 3 de outubro de 2012

I'm Back!

Eu, brindando aos meus 21 anos

Bebi alguma coisa e resolvi dar cabo desse hiato criativo. Nada como um revigorante chá de folha de coca vindo direto de Cusco, no Peru, que um amigo trouxe para mim este fim de semana. Foi meu aniversário, essa sexta. A bem da verdade, eu vinha andando deprê demais para escrever qualquer coisa. Que teria feito? Fumado um cigarro na sacada do Bay Market e observado os pombos em busca de inspiração? De certo, as bichas indo e voltando teriam sido matéria-prima dalguma crônica sobre a liturgia do rendez-vous nos banheiros públicos, e de como saem uns após uns, de intervalo em intervalo, o que é protocolar desses encontros furtivos, e, como que para se chacoalhar de sua austeridade constrangida, tomam uma casquinha no quiosque do McDonald’s... Mas, ah, tenha dó!...
Vou é parafrasear Garrett e dizer que o teclado do meu laptop é mais cobiçoso. E como Viagens na minha terra não é lá bem um best-seller, talvez a referência ecoe vazia em meia dúzia de crânios.
Enfim, vamos pôr as fofocas em dia. Li uma dezena de livros, caminhei sozinho na mata com fones no ouvido, sentindo o estalo dos gravetos no chão, catando folhas no cabelo, suado, assoviando. Mantive um überlongo jejum sexual, abstive-me do fumo e da bebida (tá, nem tanto)... Foram meses benfazejos!
Benfazejos sim, mas como este blog é casto como os lençóis de um prostíbulo, será outra a minha matéria. É dum relato em terceira, quarta mão.

I

Há essa tal casa abandonada em... Trata-se duma casa velha, muito espaçosa, muito antiga. Diz-se ter pertencido a certo... O assoalho de madeira, lustres, parte do encanamento, uns bustos aqui e acolá, a maior parte das portas e janelas foram subtraídos da edificação, de forma que os compartimentos se comunicam livremente através de aberturas disformes e as reminiscências assim dispostas congregam-se num aspecto de arcabouço. Em certos cômodos a estrutura cedeu duma maneira tal que as paredes ameaçam precipitar-se inteiras sobre o chão, agora desguarnecido; em toda parte observam-se os efeitos do abandono remoto, e o ar tristonho e miserável do prédio vê-se até na vegetação hirta e ebúrnea que se lhe entranha por entre as gretas. São muros altos, eivados de infiltrações; o revestimento se desprende sozinho da parede, e desnuda em alguns pontos a alvenaria maciça de barro cozido. No vão entre os dois braços do muro, há um portão enorme, pesado, encanecido de ferrugem, que serve de acesso à velha residência. Passa-se pelos portões e se caminha cerca de vinte minutos até o domicílio, ou carcaça do domicílio do caseiro por um logradouro estreito. O caminho foi invadido em alguns pontos pela grama e pelas daninhas, muito altas. Depois de cerca de mais dez a quinze minutos, chega-se ao casarão em ruína.
É uma construção isolada. A vegetação circunstante densa e supina, de forma que, dando-se às costas qualquer fachada, tem-se a impressão de que por quilômetros e mais quilômetros não há nada em volta além de gramíneas e arvoredos.
Muito já se fez para impedir os absurdos que tomam lugar entre suas paredes, que serão objeto destes breves capítulos; nada parece ter surtido efeito, entretanto. Amiúde bloquearam as entradas, por vezes pregando tábuas, por vezes fechando tudo com tijolos, e passaram correntes grossas entre as grades do portão. Dias depois estava tudo escancarado outra vez.

II

Nosso amigo foi deitar-se, nu como de costume, os óculos ainda na cara. Reparava para suas mãos, os pelinhos nas falanges, os nós dos dedos. Via o abdome cavado entre as costelas, o membro serenado, de esguelha, o prepúcio abotoado como uma gêmula. Dormiu, e acordou de manhã.
A língua esbranquiçada, o paladar acerbo na boca; escovou os dentes mirando sua própria fronte no espelho: os óculos, os cravos no nariz, o rosto fino, os cabelos escuros; uns pontinhos pretos debaixo das ventas e na ponta do queixo, rudimentos de barba que ele tirava dia sim, dia não; um tufo de pelos no meio do tórax e em volta dos mamilos. Lavou o suor do corpo e se secou com a toalha velha, manchada de água sanitária. Pôs a cueca no cesto de roupa suja e desceu para tomar café.
Enquanto mastigava sua broa de milho, sentia pulsar a região meridional à recordação dum ânus rosado, incomumente aberto, liso, uma planta carnívora, e a parede a sua frente desbotava, sua boca semiabria-se e um espasmo fez fremir sua cabeça por sobre os ombros.
O dia se arrastou e a cada hora que se sucedia, havia a impressão de que um Aquiles se aproximava mais e mais duma tartaruga sem que jamais a alcançasse. Mas se o tempo não é dado a favores, tampouco se ocupa de pôr empecilhos ao que se passa por estas bandas. E assim, em sua décima milésima consulta ao relógio, era hora de ir.

5 comentários:

  1. Pessoa estranha... some do nada e reaparece tb do nada... rs

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  2. Pessoa estranha... some do nada e reaparece tb do nada... rs [2] ... #fato

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  3. Pera mas você descrevendo a visão do Bay Market foi T.U.D.O de cômico!

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  4. Cada texto é feito com um leitor em mente: desde o de ficção até o do diário. Eu vou esquecer a introdução e as poucas partes em que você se refere ao leitor. É um texto completíssimo e sem deixar de ter um pouco da putaria de sempre (haha) soa como literatura, ressoa.

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