terça-feira, 26 de junho de 2012

O caso de M. (parte 3)


“What she asked of me at the end of the day, Caligula would have blushed.”
 – Heaven Knows I’m Miserable Now, The Smiths

Um sorrisinho consensual, brotando-se da flor da minha inocência, quando olhei pela janela do carro lá para fora, para a paisagem cinética duma pobreza sem comoção, e esperei – interpretar os meus silêncios não é lá uma tarefa hercúlea e, jacente no banco do carona, eu era todo uma deixa para quaisquer pedidos obscenos.
            As casinhas... Quantas vezes, na minha solidão, não olhei pela janela do ônibus a imaginar as vidas sabe-se lá se venturosas atrás dessas portas?... Por vezes introspectivo, por vezes projetando a introspecção nos outros. Ora, que sou meio dado a obviedades e a reticências... Há de ser dito que nunca deixei de observar, mesmo sendo um péssimo observador, um superinterpretador por excelência, projetor de mentiras e cônscio disso, atrás dum sorriso diáfano de envergadura enorme. Minutos antes, entrávamos na paisagem (desoladora?...) daquela favelinha para nos abastecermos. Era já razoavelmente tarde, mas uns meninos ainda jogavam bola na rua. Diferente do que geralmente se sucede quando crianças da minha vizinhança jogam bola na rua, esses não pareciam incomodados com a nossa passagem. Como os pombos urbanizados, que não se afastam quando chega gente perto, o carro ia passando devagarinho e o jogo ia se ajustando ao nosso deslocamento, nós inclusive desviando deles como de buracos, até termos passado e podermos voltar à velocidade normal.
Entramos e saímos, até que, e isso eu disse no último post sobre M., ele me perguntou do que era que eu gostava. Eu tinha então dezoito anos, era tímido no tocante a sexo e deixara para ele o encargo das iniciativas. Minha experiência era muito pouca, quase nada; resumia-se a algumas masturbações e uma ocasião ou outra de sexo oral. Minha primeira trepada, se me perdoam o vulgarismo – se não, nem precisam continuar a ler –, foi  uma porcariazinha grotesca, quando, depois dumas insinuações, terminei por dar para um rapaz feio de pau pequeno. Foi rápido e desagradável, dentro de um cubículo de banheiro, e quando ele terminou, gozou dentro de mim e saiu. Corri para o vazo e já sentei cagando; foi horrível. Levantei e admirei, ligeiramente nauseado, as fezes misturadas com sêmen antes de dar descarga. Aliás, tenho várias dessas lembranças escatológicas: beijos ácidos com o gosto emético de cigarro, os fedores sexuais que invadem os ambientes quando se está imundo e se despe, o cheiro do esperma e da genitália mal lavada, o boquete com gosto de mijo, e por aí vai... M., entretanto, não era nada disso. Era um príncipe desencantado, um burguês decadente com ares de majestade, um comandante de centúria romano pronto para me subjugar e fustigar. Meu doce violador que me amaria e repudiaria, como alguém que, tendo levado a comida à boca, dignou-se a engolir, mas não a pedir mais. Hei de conceder, no entanto, que, depois dessa noite, vimo-nos ainda com certa assiduidade ao longo dos meses. Ele cada vez mais desinteressado, naturalmente. Mas ainda não chegamos a esse ponto!
Eu sou o que você quiser que eu seja”, disse. Estávamos no carro e M. se despiu, desvelando a nudez espetacular. Não tive tempo para observações mais minuciosas. Comecei a chupar avidamente aquela piroca linda. Gosto de fazer sexo oral! Prefiro receber, è vero, mas amo fazer. E ele tinha um pênis tão bonito!... Gosto de explorar o membro: o dele, especialmente, era digno duma ópera. Quem sabe A flauta mágica, de Mozart. Chupo a glande, passo a língua em volta dela, no frênulo, vou de cima a baixo, engulo tudo, dou mordicadas no saco etc. etc. etc. Divirto-me como um pinto no lixo.
Paramos algumas vezes para cheirar, no caminho para Piratininga. Sim, Piratininga, o mesmo lugar onde eu ainda teria noites de adrenalina com P., dois, três anos depois, mas já falei disso. Podem caçar as postagens.
            Estou há dias sem escrever. Entediado, desmotivado, infeliz. Vocês, os leitores, devem ter percebido isso por este texto díspar do meu estilo corrente. Relendo tudo, a linguagem se mostra ainda mais decadente do que de costume e falta à naturalidade.  Não irei mais adiante. Reestabelecerei meu ânimo e que venha a parte quatro!

12 comentários:

  1. PQP! Desculpe mas não tenho outra expressão para descrever meu êxtase com este conto ... Caralho! vc é PHODA!

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    1. Eu tenho que tomar cuidado para não ficar metido, depois duns elogios desses, especialmente os vindos de alguém como você!

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  2. minha pergunta é se é um conto ou uma lembrança.

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  3. Não tenho muita opinião sobre esse post, ter eu até tenho, mas ainda não descobri qual é ela. Acho que faltou um pouco da vivacidade que você dava a cada parte da história até então. E nem foi por ter 'nojinho' do que você escreveu pq isso não é meu estilo, mas por estar com a expectativa nas alturas e não ver tanto desenvolvimento. Eu queria saber muito mais e acho que minha falta de opinião possivelmente é produto da minha frustração. Quanto ao seu comentário final, não achei a linguagem decadente, adoro o modo como você se expressa. Aguardando ansiosamente a parte quatro.

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    1. Foi um texto sem inspiração, de fato. Escrevi porque estava há uns dias sem postar nada, por uma espécie de obrigação que não tenho. Fui mais frio e analítico do que de costume.

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  4. Díspar, de fato... Antes que você se emputeça comigo isso não foi uma critica destrutiva (repare que estou tentando reproduzir, sem muito sucesso, o vocabulário chulo tão inteligentemente explorado por você neste texto. rsrsr. Não chego nem perto do seu talento com as palavras, amigo).
    Mas, voltando ao vocabulário, me parece algo meio proposital de sua parte. Nunca li Jean Genet, mas pelo que você mesmo me fala sobre ele, senti um sopro desse puto Francês nas linhas do seu texto (me perdoe se eu estiver falando besteira).
    Mas enfim, a cada post da série M. que passa, menos técnica e mais emocional sua narrativa se torna, e julgo isso não só por ter ideia do que M. significa para você, mas justamente pela linguagem decadente e despreocupada, como você mesmo disse no texto...
    Eu ouso me emocionar, sim... Nesse texto eu posso ver meu amigo Wall, o cabeça de fogo, de 18 anos, tão bobinho, tão apaixonado, tão inexperiente... Tão diferente do Walmir da Letras, ou do futuro BRAGA, WR que eu já vejo (sempre vi) em você...
    Na verdade, só quero dizer que esse texto significa muito mais para mim do que uma simples narrativa muito boa, que de fato é... Pra mim é um pedaço da sua vida cada vez mais próximo da realidade e, sendo da sua vida, por consequência também da minha...
    Não preciso repetir que você é foda, isso você já sabe... Vou me reservar a dizer que estou ansioso esperando pelas próximas parte de M., claro... Porque esse foi apenas o começo!

    Um beijo, meu amigo...
    Até o próximo!

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  5. Ai, Wal! Estou cada dia mais encantada com o seu talento para a prosa! Você sempre surpreendendo! Amo seus poemas, mas você se supera escrevendo contos! Maravilhoso!

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