terça-feira, 19 de junho de 2012

Recortado


Roubaram a carteira
Do imbecil que olhava
A cerejeira.
(Haicai de Millôr Fernandes)


Passo lá pelas turbas e interesso-me de repente pelo rapaz muito bonito que vem na direção oposta. Que me importa saber quem ele é? É um jovem bonito, parece ser inteligente com a compleição séria que carrega atrás duns óculos exageradamente convencionais; uma mala ao braço direito. Outro virá dizer que não há cara de nada... Mas não hei de deter meu olhar sobre o moço: ele se vai em segundos, como se vão os segundos. Olha outro garoto! Na frente da estação das barcas, passam esses homens bem vestidos, parentes de alguém do escritório e que não significam nada. Eu, que não sou mãe de ninguém, posso os reduzir à espécie de magnetismo que experimento nas órbitas dos olhos. Construo um esboço do que não são, sem o mínimo compromisso, assim como eles são o que são sem o mínimo de compromisso e isso não se tange remotamente que seja.

Uma vez, conversava com um rapaz bonito e burro que não me entediava, mas creio que não prestasse atenção nele depois de cinco minutos; sabe Deus se ele em mim. Não nos ouvíamos, creio: falávamos cada um de si não para o outro. Sorria vagamente para ele enquanto seus lábios abriam e fechavam.

Minha mãe disse que está orando por mim. Ri-me de não estar orando por ela.

Demorei-me nos labirintos de Carroll por cinquenta páginas, até que alguém tirou a camisa e interrompeu minha concentração.

10 comentários:

  1. Sentei-me a um canto escuro duma sala que irradiava qualquer tipo de emanação multicolorida e fumei alguma coisa intragável, devolvendo minha carne ao espírito do qual jamais deveria ter saído.

    ResponderEliminar
  2. Minha avó costumava orar por mim, mas hoje acredito que a velha me odeie.

    ResponderEliminar
  3. seus escritos são ótimos para serem devorados no silêncio da madrugada devidamente acompanhados de muitos cigarros ...

    te adoro Walmir

    ResponderEliminar
  4. Walmir meu bem, arranje alguém para lhe bancar por que seu negócio não é dando aula,você tem que ficar escrevendo infinitamente para nos trazer deleite aos olhos. Espero que guarde todos os seus escritos, futuramente isso pode gerar um livro. ;) Beijocas :*

    ResponderEliminar
  5. adorei o texto
    mto bom
    gosto dessas coisas naturais que falam sobre nosso dia a dia.

    ResponderEliminar
  6. Crônica ou não (pra mim é crônica) está um primor, seu lindo... Não sei se já te disse antes, mas gosto dessa coisa de identificação com aquilo que o cerca, que faz parte do seu cotidiano. Quando você escreve "estação das barcas", "Cantareira", "Lapa", é como se eu fizesse parte do texto... Torna a leitura ainda mais fluida, como se eu estivesse vendo um filme em 5D... hahahahaha

    Enfim, adorei o texto, amigo! (cadê a novidade? hauahauah)

    Abraços... até

    ResponderEliminar